terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ainda os sacos de plástico - Um contributo do Dr. Carlos Serra Jr.

Aqui fica um artigo do Dr. Carlos Serra sobre o tema, com os nossos agradecimentos.

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Saco plástico, um problema que teimamos em relegar para segundo plano...

Não escondo a ninguém o quanto abomino o saco plástico, principalmente quando, pouco a pouco, passei a tomar contacto com a lista infindável de desvantagens decorrentes do seu uso e abuso, associadas a um modelo de sociedade consumista e baseado numa lógica contrária às ideias da sustentabilidade, da poupança e da racionalidade.

Reza a história que o saco plástico terá sido inventado em 1855, por um químico inglês chamado Alexander Parkes (1813 - 1890), data na qual procedeu ao registo da patente daquilo a que chamou de parkesine, o primeiro material plástico sintético, e que resultou de um processo assente na mistura de nitrocelulose com cânfora na presença de álcool. A invenção foi apresentada na Segunda Grande Exposição de Londres, em 1862, não tendo, no entanto, tido sucessos no domínio da respectiva manufacturação.

Foram necessárias muitas décadas de experiências consecutivas e o empenhamento de inúmeros cientistas para que, a partir da década de sessenta do século XX, o uso do saco plástico se disseminasse por todo o mundo, tendo sido inclusivamente considerado como uma das maiores invenções da história moderna, dadas as respectivas qualidades em termos de leveza, maleabilidade e durabilidade.

Hoje, é maioritariamente concebido a partir de resina sintética, originárias do petróleo, denominada polietileno de baixa densidade (PEBD).

O pior do que tudo é que passamos a conceber o saco plástico como algo perfeitamente normal, e até como uma espécie de direito adquirido. Recordo-me de uma questão colocada por uma estudante, em plena aula, depois de me ter empenhado no ataque ao saco plástico, nos seguintes termos: "mas, afinal, professor, como vamos viver sem o saco plástico?"

A questão deixou-me momentaneamente atónito, boquiaberto, estupefacto, para de seguida responder com o argumento de que os nossos pais viveram sem sacos plásticos. Sim, é verdade, o saco plástico é uma novidade recente no nosso País, onde a sua generalização dá-se em meados da década de noventa, na sequência do crescimento económico pós-guerra, tendo o consumo vindo a crescer de uma forma impressionante e com contornos de popularidade devido aos circuitos comerciais de distribuição gratuita. Veio substituir os cartuchos de papel, os sacos de pano e as cestas de palha.

Ele está presente um pouco por todo o lado, disponível em quantidades ilimitadas, oferecido não só pelas grandes cadeias de supermercados, como pelos mais pequenos comerciantes. Existe nos mais tamanhos, feitios e cores, podendo ser ou não utilizado como mecanismo de publicidade. Nalguns casos é reciclado, dentro ou fora do País. Cá dentro, a nossa indústria não está subordinada a padrões de qualidade, dai que o resultado sejam aqueles malditos sacos plásticos de cor preta, muito feios e impressionantemente pouco resistentes, obrigando à necessidade de recorrer ao reforço com dois a três plásticos, por cada pequenos conjunto de artigos comprados, sob o risco de assistirmos ao espalhar das compras no chão.

Já agora, experimente recusar a "oferta" de sacos plásticos quando for às compras. O mais provável é deixar os funcionários do estabelecimento comercial admirados a olhar para si, revelando que grau de desconhecimento das desvantagens associadas ao saco plástico, no contexto maior de ignorância ambiental generalizada, é extremamente elevado no seio da nossa população, mesmo ao nível daquelas pessoas que possuem graus académicos.

Recentemente, ao comprar dois pequenos bolos numa pastelaria com o intuito de os levar para casa, observei atentamente cada gesto do empregado de balcão: começou por colocá-los num pequeno cartuxo, depois num saco plástico de tamanho exíguo, ao qual adicionou ainda uma mão-cheia de guardanapos de papel. Este simples comportamento revela apenas como ainda nos encontramos pouco acima da etapa zero da consciência ambiental, a qual pressupõe uma lógica de sustentabilidade, de poupança de recursos, de opções ecológicas. Não precisamos para nada de pequenos sacos plásticos, o mesmo se diga em relação aos guardanapos de papel (sabendo-se que são feitos a partir do abate de árvores).

Passo a indicar uma lista de desvantagens inerentes ao uso e abuso do saco plástico, e que nos tornam uma espécie de meros assistentes perante um desastre ambiental de enormes e crescentes proporções.

Em primeiro lugar, veja-se que o saco plástico é factor de poluição visual, dando uma imagem de total descuido ou desmazelo às cidades. Vemo-lo voando sobre as casas e ruas, preso às árvores, arbustos, vedações e postes eléctricos. Encontramos quantidades acumuladas junto a mercados, nos passeios, à entrada das escolas e até nos jardins públicos. Em dias de vento, o cenário é de profunda desolação, chegando a tirar a visibilidade a alguns condutores de automóveis e assim contribuindo para a ocorrência de eventuais acidentes.

Depois, o saco plástico é uma verdadeira dor de cabeça para o sector de saneamento, dado que, nos últimos anos, tem vindo a causar a paralisação total ou parcial dos sistemas de drenagem de águas, incluindo cheias, retardando ainda a decomposição de materiais biodegradáveis, causando graves danos nos aglomerados urbanos. Torna-se imperioso quantificar os montantes dispendidos na manutenção e reparação dos danos causados ao sistema de saneamento, que sei serem elevadíssimos, de modo a desvanecer quaisquer dúvidas que ainda pairarão no ar sobre a proibição ou restrição do seu uso.

Seguidamente, sendo concebido a partir de substâncias não biodegradáveis, o saco plástico, constitui factor de poluição duradoura, e, de acordo com os cientistas, persiste o enigma de saber quanto tempo é necessário para que um pequeno saco se desintegre na natureza: 50, 100, 200, 400 ou 1000 anos? Se você fizer uma breve pesquisa na Internet, não vai encontrar consenso, apenas concluirá que é necessário muito, muito, mas muito tempo, para a sua desintegração em terra.

No mundo, estima-se que 90% dos sacos plásticos termina nas lixeiras a céu aberto e demais locais de destino final, sem que tenha servido para fins de reciclagem e/ou reutilização, constituindo portanto factor de sobrecarga do sistema de gestão de resíduos sólidos urbanos e de ocupação de espaço.

Por seu turno, quando incinerado, algo que acontece quase sempre em Moçambique, o saco liberta para a atmosfera substâncias tóxicas ou partículas poluentes, colocando em perigo a saúde pública, bem como o estado do ambiente. Para além de factor de poluição atmosférica, contribui para o aquecimento global e consequentes mudanças climáticas.

O saco plástico tem um impacto gigantesco na vida marinha, lacustre e fluvial, por ser confundido com alimentos e ingerido pelas espécies animais, culminando na sua morte (veja-se o exemplo da tartaruga marinha, que come o saco plástico julgando se tratar de uma lula, seu principal alimento, bem como de imensas espécies de aves, encontradas mortas com plástico no estômago ou preso às respectivas asas). As quantidades de plástico que terminam nos oceanos são impressionantes, conforme demonstram as mais recentes imagens-satélite, a circular através das redes de correio electrónico. Há ainda registos de sérios impactos na fauna terrestre, incluindo doméstica (calcula-se que na Índia morram 100 vacas por dia devido ao consumo de sacos plásticos!).

Vários países, regiões ou cidades do Mundo têm vindo a proceder à regulamentação do fabrico, comercialização e uso do saco plástico, através da definição de medidas de proibição, restrição, condicionamento ou imposição de taxas sobre o consumidor.

Na Irlanda, existe desde 2003 um pesado imposto sobre o consumo de sacos plásticos (o "PlasTax", fixado em 22 centavos de euro por saco plástico) que contribuiu para uma verdadeira mudança de comportamento por parte dos irlandeses – uma redução no consumo na ordem de 90-95%, em favor de sacolas reutilizáveis. Diversos países desenvolvidos seguiram este exemplo, entre os quais destacamos a Alemanha, a Suíça, a Bélgica, a Itália e a Holanda; outros se preparam para fazer o mesmo - a Inglaterra e a Austrália.

Nos países em vias de desenvolvimento, o Bangladesh, em 2002, e alguns estados da Índia (são os casos de Himachal Pradesh, Goa, Kerela e Maharashtra), nos anos subsequentes, baniram o fabrico, compra e posse de sacos plásticos de polietileno, conscientes dos enormes danos causados ao nível da saúde pública e do ambiente.

Também em 2002, a África do Sul, onde o saco plástico chegou a ser apelidado de "flor nacional" pelo então ministro do Turismo e do Ambiente, Mahommed Valii Moosa, foi aprovado um instrumento legislativo que, por um lado, proibiu o fabrico, comercialização e uso de sacos plásticos com menos de 30 micrometros, tendo, por outro lado, taxado os demais tipos de sacos plásticos. Este exemplo foi seguido por diversos países africanos, incluindo a Eritreia, o Ruanda, a Somália, o Gana, o Lesoto, a Tanzânia, o Quénia, as Ilhas Maurícias e o Uganda.

Mais recentemente, e tendo em vista a realização dos Jogos Olímpicos, a República Popular da China proibiu, com efeitos a partir de Junho de 2008, o fabrico, comercialização e uso de sacos plásticos de pequena espessura, para além de abolir a sua distribuição gratuita em todos os estabelecimentos comerciais. Ora, só neste País, que em 2007 suplantou os Estados Unidos de América do lugar de maior poluidor do planeta, eram diariamente utilizados cerca de 3 biliões de sacos plásticos, ao custo da refineração de 5 toneladas de petróleo!

Nestes países, as medidas legislativas previram igualmente sanções contra os prevaricadores, incluindo, nalguns casos, pesadas penas de prisão, o que revela, por parte do poder político, a tomada de consciência da gravidade do problema.

O que nos falta para seguir o louvável exemplo dos países acima referidos? Bem, o jornal Notícias reportou, na edição do dia 9 de Junho de 2008, que o actual Presidente do Conselho Municipal de Maputo, Dr. Eneas Comiche, anunciou a intenção do Município em proibir o uso de sacos plásticos na cidade capital, atendendo principalmente aos danos causados no sistema de saneamento. Esperemos que esta intenção venha a torna-se realidade e que, com a eleição de um novo edil, não assistamos a um retorno ou recuo na coragem de enfrentar este problema.

Infelizmente, quando se fala saco plástico, várias têm sido as vozes defendendo, ainda que não publicamente, não ser por enquanto "politicamente adequado" avançar para uma intervenção proibitiva, por poder ser considerada "anti-popular". Discordo em absoluto com tais percepções, as quais traduzem a habitual confusão que alguns têm entre questões políticas e a defesa de assuntos fundamentais da colectividade, como os direitos à saúde pública, a um ambiente equilibrado e a uma melhor qualidade de vida. Há que admitir que, sem o saco plástico, passaremos a viver melhor!

Como medidas imediatas, proponho que sejam decretadas as seguintes:

· Proibição de fabrico, importação, comercialização, oferta e uso de sacos plásticos com uma espessura inferior a 30 micrometros (milionésima parte do metro);

· Proibição de fabrico, importação, comercialização, oferta e uso de sacos plásticos feitos à base de polietileno;

· Imposição de um imposto ambiental aos demais sacos plásticos, que, no nosso caso, mesmo simbólico, ocasionaria uma imediata mudança de comportamento por parte dos consumidores;

· Criação de incentivos ao fabrico de embalagens reutilizáveis e/ou biodegradáveis, contendo teor orgânico;

· Responsabilização dos infractores através da fixação de multas que deverão reverter fundamentalmente para o Fundo do Ambiente, para serem aplicadas em programas de protecção e conservação do ambiente.

É certo que o nosso País tem um quadro jurídico-legal vasto, faltando agora trabalhar na implementação. Contudo, não menos certo é haver urgência na definição de pequenas intervenções que poderiam significar uma enorme mudança em prol de um ambiente equilibrado e a regulamentação sobre o saco plástico seria, sem margem para dúvidas, uma delas."

Pesquisa na Internet:

TRIGUEIRO, André, A farra dos sacos plásticos, In. www.ambientebrasil.com.br, acedido no dia 5 de Outubro de 2008.

ALCÂNTARA, Frank Coelho, Sacolas de plástico, um problema que não precisamos, In. www.depijama.com/verdes, acedido no dia 5 de Outubro de 2008.

www.colegioweb.com.br/biografias/alexander-parkes, acedido no dia 6 de Outubro de 2008.

www.pt.wikipedia.org/wiki/saco­­_de_pl%c3A1stico, acedido no dia 6 de Outubro de 2008.

Carlos Manuel Serra

Justiça Ambiental

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